Quantas vezes você chegou em algum lugar por aí e pensou: “parece cenário de filme”? Praias paradisíacas, cidades medievais, vilas bucólicas, castelos, jardins grandiosos… São incontáveis as paisagens que, de tão impressionantes, remetem a feitos cinematográficos, mesmo fazendo parte do mundo real. Há, porém, uma explicação para isso. Muitas vezes, esses mesmos lugares se tornam, literalmente, cenário de filme, e os pensamentos do espectador in loco e o das telonas acabam se misturando.
O majestoso Palácio Belvedere de Viena, na Áustria, é um ótimo exemplo. Rodeado por exuberantes jardins, fontes e um enorme lago, essa construção barroca do século 18, considerada uma das mais belas do estilo no mundo, é bem real, serviu de residência de Verão ao príncipe Eugen von Savoyen e agora expõe obras de arte austríacas desde a Idade Média até a atualidade, sendo acessível para qualquer pessoa que circule pela cidade — como este que vos escreve.
Tanto que, ao passear pela capital austríaca, bastou comprar um ingresso para ter acesso ao precioso acervo do local, que tem como destaque quadros de Gustav Klimt (1862-1918), entre eles O Beijo (1908) e Judith (1901), ambos representantes máximos do art nouveau austríaco. Mas nessa mesma ocasião, ao sair da parte superior do complexo para conhecer os imponentes jardins — estes, abertos ao público —, o que antes só parecia ser um set de uma produção hollywoodiana graças a tanta beleza, literalmente havia se transformado em um.
Câmeras posicionadas e fios correndo pelo gramado, além de algumas pequenas tendas montadas no lado direito do parque, pareciam num primeiro momento apenas uma estrutura para registrar algo simples, como um comercial local. Ledo engano. Só que até ali, era impossível imaginar o que realmente estava acontecendo. Curioso, como qualquer jornalista, a decisão tomada foi circular mais perto do pequeno burburinho e, quem sabe, passar em frente às barracas — já que tudo estava muito tranquilo.
Foi o que aconteceu, e ao chegar na primeira e virar o rosto para ver quem estava lá, ficou claro que se tratava de algo maior. Sentado em um banco de madeira, o ator Ryan Reynolds (sim, o Deadpool, o Lanterna Verde e o par de Sandra Bullock em A Proposta) conversava animado com o diretor Simon Curtis (de Sete Dias com Marylin). “Opa, tem um filme sendo rodado aqui”, pensei. Decidi então continuar a caminhada e passar pela próxima tenda, para ver se havia mais alguém do elenco.
Foi então que o simples passeio para conhecer um palácio “estilo filme” se transformou em uma surpresa cinematográfica inesquecível (não menosprezando o sr. Reynolds, claro). A inigualável dama Helen Mirren, vencedora do Oscar de Melhor Atriz por A Rainha e indicada em outras três ocasiões, ocupava a segunda tenda. Tranquila, ela aguardava uma jovem terminar os últimos retoques no penteado de época para entrar em ação.
O fim de tarde era belíssimo, com um céu azul decorado com poucas nuvens para completar a beleza daquele lugar surreal. “A luz está boa, vamos gravar”, gritou alguém segundos depois, e Helen e Ryan, acompanhados pelo incrível ator alemão Daniel Brühl (de Rush – No Limite da Emoção e Capitão América: Guerra Civil) se dirigiram para o centro do jardim. Ele devia estar em outra tenda, mas nem foi preciso chegar até ela para dar de cara com o rapaz. Só que o pensamento era outro. Era difícil acreditar que por mera coincidência, e claro, por muita sorte, em instantes seria possível ver Helen Mirren atuar bem ali, na nossa frente.
As gravações
Começamos a questionar alguns produtores sobre qual filme eles rodavam ali, e logo descobrimos que se tratava de A Dama Dourada (Woman in Gold), sobre a batalha judicial entre a herdeira legítima do quadro que dá nome ao longa-metragem, mas precisou abandonar a Europa durante a Segunda Guerra Mundial, e o governo austríaco. Sobre isso, você pode ler mais aqui, em outra história muito interessante de Nova York.
O complexo Belvedere não foi fechado para as filmagens, então a circulação, seja da protagonista Helen Mirren ou dos visitantes, era livre pelo estonteante palácio. Mesmo assim, havia poucas pessoas passeando ou se exercitando pelo local — ou pelo menos essa era a impressão, visto o tamanho do parque. Os produtores precisavam apenas pedir “gentilmente” — como eles reforçavam o tempo todo — para os presentes caminharem por aqui ou por ali, ou não sentarem no banco daqui ou de lá “porque estamos fazendo uma filmagem bem ali.”
Depois, figurantes faziam o trabalho de “fluxo” do jardim. Enquanto a primeira tomada era feita — uma simples caminhada pelo jardim com uma câmera de frente acompanhando o andar do trio, porém valorizando bem o belo ambiente —, foi a nossa vez de registrar toda aquela movimentação.
Todas as cenas gravadas no exterior do Belvedere contaram com Reynolds e Mirren (Daniel Brühl fez só as duas primeiras cenas) que, pelo menos ali, mostravam bom entrosamento diante e fora das câmeras. Mesmo após o “corta”, eles engatavam entusiasmadas conversas, e algumas vezes, parecia que o Deadpool tentava explicar algo que tinha feito recentemente para lady Mirren, com muitos gestos e interpretações, como se fosse um técnico apresentando uma estratégia para seus jogadores.
O diretor Simon Curtis pouco ficava em sua cadeira, preferindo acompanhar ao lado da câmera, e não dos monitores, o desenrolar dos diálogos. Fazia poucos e rápidos comentários — inaudíveis para quem estivesse a mais de 15 metros da cena central, como era o nosso caso nas primeiras gravações —, e repetia cada cena inúmeras vezes. Só para contextualizar, Reynolds faz o jovem advogado Randol Schoenberg, neto do compositor Schoenberg.
Confusão
A última cena rodada de A Dama Dourada em Belvedere foi na entrada do jardim, ao lado do palácio superior. Todo o equipamento foi levado para o estreito portão que separa a frente e o fundo do complexo de Viena. Uma enorme grua foi montada no espaço e tudo foi registrado com ela, em planos que começavam no elenco e percorriam todo o palácio — feito realizado depois de muitos testes de posicionamento e cortes com figurantes.
O local, porém, é o principal acesso às dependências de Belvedere, então aqui a produção teve mais trabalho para controlar os presentes. Nessa altura, muitos já sabiam quem estava filmando ali, e pararam para assistir. Além disso, como o local era pequeno, poucos metros separavam a plateia dos atores. Foi então que perguntei a uma produtora por que o parque não tinha sido fechado. “Você sabe quanto isso custa?”, disse a moça, que logo completou: “Quatro mil euros por metro quadrado.”
Bom, se os valores são reais, impossível saber, mas eles acharam melhor naquele dia seguir a linha de pedir “gentilmente” para os presentes fazerem o que eles queriam. Alguns questionavam, já que se tratava de um espaço público, e até umas pequenas discussões aconteceram. Um produtor chegou a dizer para um rapaz que ele não poderia andar ali porque estava de camiseta vermelha e mochila, então apareceria muito no vídeo. Diante disso, ele ouviu “problema de vocês” e viu o rapaz continuar o passeio.
Outra produtora tentava impedir dois homens de tirar fotos em locais que atrapalhavam as gravações e ainda soltou: “Por que está fazendo isso se eu já pedi para não fazer?” e como resposta recebeu “porque eu posso, isso é um local público e fotos são permitidas, indiferente de quem estiver nele.” Mesmo assim, tudo ocorreu bem. A cena consistia em uma conversa corriqueira entre Mirren e Reynolds enquanto eles se dirigiam para o portão, onde estavam sendo aguardados pela moça que os levaria ao interior do palácio, ou seja, para ver as obras.
Mirren, durante todo o tempo, manteve uma postura firme, algumas vezes até dura, com falas rápidas e marcantes, enquanto Reynolds era mais despojado e tranquilo. Algo que manteve mesmo após o “corta” final. Com tom brincalhão, disse que havia adorado o local e que estava se sentindo muito bem por ali, que não se importaria em ficar mais um pouco para ver o pôr do sol — mas não foi o que aconteceu. Já Mirren não conversou com ninguém após as filmagens. Apenas tirou as fotos oficiais com toda a equipe na escadaria do palácio e, com o último clique, rapidamente seguiu para o carro que a aguardava.
Leia mais sobre o dia que me deparei com o quadro retratado em A Dama Dourada, em Nova York.